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Estou triste...

Diálogo entre um homem-bomba e seu criador, ao chegar às portas do paraíso.

- Bem-vindo, meu filho! O que fizeste de tua vida, o presente mais precioso que te dei?

- Senhor, seu presente foi usado para destruir infieis, pessoas insubmissas.

- Destruiste o presente que Eu te dei e aos outros? Quantos outros?

- 129, meu Senhor!

- 129 das criaturas mais perfeitas que criei. Criaturas com o potencial de anjos - disse Deus com tristeza.

- Criaturas imperfeitas, cheias de pecados, que não sabiam sequer como adorá-lo. Muitas nem acreditavam em sua existência.

- Pareces orgulhoso de teu feito.

- Muito. Mereço bem as houris!

Nesse instante, São Pedro interrompe a conversa e avisa ao Criador a chegada de algumas pessoas, vítimas da detonação.

O Magnânimo as recebe todas com um grande sorriso e braços abertos e as pergunta:

- Crianças, que fizestes do meu presente mais precioso, a vida?

Alguns se manisfestaram com tristeza, outros com revolta, e muitos ainda nem sabiam o que havia ocorrido.

- Eu me estava formando médico... - disse o primeiro tentando entender por que não estava mais naquela rua de Paris, onde iria encontra-se com sua futura esposa.

- E isso seria bom por quê?

- Queria salvar vidas, curar doenças, aplacar as dores de meus semelhantes.

- Propósito nobre. Vinde comigo e ensinarei como fazer mais.

Outra pessoa se animou e confessou:

- Eu não fazia nada. Era mendigo e vivia da caridade dos outros. Perdôe-me, Senhor!

- Perdoar-te porque despertava um sentimento de generosidade entre teus pares? Nunca, porque isso não é pecado. Viverás aqui Comigo.

- E eu Senhor? Traficava drogas e vivia da desgraça dos outros! Não deve haver perdão para alguém tão cruel quanto eu - gritou desesperado o homem no fundo da multidão, em prantos pelo arrependimento.

- Grandes pecados, sem dúvida, mas já te arrependeste e sinto em teu coração a vontade de desfazer o mal que causaste. Terás oportunidade para redimir-te junto a Mim.

- Senhor, não concluí meu sonho. Sempre quis ser mãe e nunca consegui engravidar. Adotei uma criança entre os refugiados da Síria na certeza de que essa era minha missão. Estava passando naquela rua porque iria comprar algumas fraldas que haviam acabado. Queria que ela crescesse na crença dela mesmo sendo eu de outra crença. Errei, Senhor? Tudo que eu queria era vê-la crescer.

- Claro que não erraste. Estavas pronta para sacrificar tua crença e honrar uma outra religião, em nome da felicidade de outra pessoa. Tua atitude Me deixa feliz. Fica aqui e assistirás tua filha crescer feliz.

- Senhor, nunca acreditei em Ti. Não sou merecedor do paraíso...

- Tu o és.

- Era muito rico, mas nunca fiz caridade, não pensava em outras pessoas e não tenho grandes arrependimentos no meu passado. Não tenho amigos, só parceiros de negócio. Como ser merecedor?

- Não vejo em ti grandes maldades e tens algum brilho de bondade no coração. Eras fraco e tinhas medo. Medo da pobreza, da solidão e da infelicidade. Lutaste com empenho para alcançar teus objetivos, mas não sabias o caminho. Criaste empresas que deram a muitos a possibilidade de trabalho e realização de sonhos. Pelos empregos que geraste, fez famílias crescerem. És merecedor.

Um a um, todos prestaram contas a Deus e todos entraram no paraíso.

A última pessoa era uma criança.

- E, tu criança, que fizeste de Meu presente?

- Desculpa... Não fiz nada. Não deu tempo.

- Claro que fizeste. Deste a teus pais felicidade ao nascer e um propósito de vida enquanto vivias. Eles viveriam por ti, até que se fizeste homem, quando então cuidadaria de teus pais.

- Vivia só com minha mãe. Meu pai morrera há algum tempo, deixando de nos sustentar. Eu e minha mãe vivíamos de pequenos serviços. Fiquei doente, mas não tínhamos dinheiro para os médicos e remédios. Dei muito trabalho e tristeza a minha mãe.

- E o que desejas com maior intensidade, criança?

- Desejo que minha mãe seja feliz e desejo ver meu pai novamente.

- Tua mãe será feliz. Ela o verá todos os dias em seus sonhos e se consolará em Minha bondade infinita. Quanto a seu pai, querido, ele estava triste porque não encontrava emprego na nova cidade em fostes morar. Ele te amava ardentemente, mas desesperou-se e deixou de acreditar em Mim para acreditar em outras pessoas. Morreu e está agora Comigo.

Deus levanta Seu manto revelando o homem-bomba que estava atrás. A criança, sem conter seu sorriso, corre para abraçar seu pai. Ele o retribui com lágrimas nos olhos.

Deus então pediu ao jovem que entrasse no paraíso e assim ele fez, olhando para para trás, enquanto seu pai se distanciava, parado ao lado do Generoso. Deus continuou o diálogo que fora interrompido:

- Vieste a Mim após destruírdes minhas criaturas, dizendo-as imperfeitas, cheio de orgulho, requerendo 72 houris, criaturas mágicas, virgens submissas, de tenra idade, sem capacidade de escolha do que fazer com seus corpos, tendo deixado sua jovem esposa e filho ao acaso, na Terra, a mercê outros seres humanos, criaturas que, segundo tu mesmo, são imperfeitas, cheias de pecados, que não sabem sequer como Me adorar. Muitos das quais nem acreditam em Minha existência.

Deus continua, enquanto o homem cabisbaixo, chora silenciosamente.

- Meu filho, a felicidade do homem é conviver com outros iguais, sem nenhuma diferença, seja por raça, cor, religião ou inteligência. Não há homem perfeito na Terra. A perfeição só é alcançada por meio da Verdade, que só pode ser compreendida aqui Comigo. Crê-te diferente, melhor que outros como tu, só porque achas que conheces um atalho até Mim. Não há atalho e para chegar a Mim, senão se unirem por mim. Deem-se as mãos e estarão no paraíso.

- Mas, Senhor, não era isso que estava escrito.

- Era o que estava escrito. Tu não o soubeste ler. Deverias tê-lo feito com amor e coração aberto. Apavorou-se em sua vida terrena e creditou a outros tua desgraça, sem ter Comigo antes de cometer teu erro.

- Orei, Senhor. Orei muito antes de fazê-lo, mas Tu não me respondeste. Será que não me ouviste?

- Sim, ouvi, apesar de falares com ódio e rancor contra mim. Respondi com amor ao seu coração e apelei por ti, por tua esposa, por teu filho. Mas teu coração estava repleto de amargura e Meu amor não encontrou lugar nele.

- Senhor, perdoa-me! Eu não sabia...

Caiu de joelhos aos pés do Pai e chorou.

- Como podes perdoar-me?

- Já o perdoei. Sei de tuas falhas, fraquezas e ignorâncias. Tu foste apenas humano, uma critura cheia de pecados como todos. Não há danos que tu possas causar que Eu não possa remediar, mas para entrar no paraíso, é preciso que todos que lá estão te perdoem também, pois não quero que eles, ainda aprendendo o que é amor, perturbem-se quando entrares por aquela porta.

- Eles não vão me perdoar!

- Vão, mas tenha paciência. Espera um pouco.

Deus se afasta e vai ao paraíso ter com Seus filhos.

O homem esperou só. Chorou todo o tempo de joelhos. Seu corpo lhe queimava como se no próprio inferno estivesse, mas não estava. Era seu coração em dor pelos erros que cometera. Mil anos pareceram passar até que a primeira de suas vítimas veio perdoar-lhe. Uma a uma veio. Entre cada uma, uma eternidade parecia se passar e seu corpo ardia em dores cada vez mais atrozes, mas todas ao final compareceram para perdoar o homem e garantir-lhe o paraíso. Então um garotinho veio. Era seu filhinho, de mãos dadas com sua mãe, que já estava com ele. A mãe correu para o marido, beijando-o em uma alegria desesperada e perguntava a ele:

- Como pode me perdoar?

- Perdoar pelo quê, meu amor?

- Porque deixei nosso filho adoecer e morrer. Porque cometi pecados carnais com outros homens para sobreviver. Tive que roubar, enganar e acabei presa entre as mulheres mais pecadoras que conheci. Não sou mais pura para você. Perdão, meu amor.

- Não peças perdão. Tu já estás perdoada! Eu sou o culpado de tudo. Tu, se pecaste, foi por meus erros e sou eu quem deve se desculpar.

- Desculpá-lo, mas por que se o amo? Deus me explicou tuas dores e não deixou que nenhuma gota de rancor contra você nascesse em mim. Está perdoado de tudo que cometeste.

Deus apareceu e disse:

- Agora já podes entrar.

- Obrigado, Senhor. Sofri como nunca em minha vida e não sei por quanto tempo. Devo ter merecido. Por que todos demoraram tanto a me perdoar? Será que o perdão é tão difícial assim ou foi o meu pecado maior do que eles poderiam perdoar?

- O perdão deles veio logo em seguida quando compreendeste teu erro, mas aqui no céu o tempo não igual ao da Terra. O teu tempo respeitou teu arrependimento. Foste tu que sofreste fazendo o tempo parar.

- Então, fui eu o tempo todo?

- Sim, foste tu. Sofreste enquanto não te perdoaste a ti mesmo. Quando conseguiu fazê-lo, os outros também conseguiram. Só faltava você.

- E o inferno? Eu não vou para ele?

- O inferno é a falta de perdão e de amor. Agora que estás livre disso, entra em Minha casa.



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